"Acredito no poder transformador da educação", diz escritora indĂgena
Considerada a primeira mulher indĂgena a publicar um livro no Brasil, a escritora Eliane Potiguara conquistou o respeito e admiração de estudiosos e leitores de suas obras.
Por REDAÇÃO em 18/04/2024 às 08:01:13
Considerada a primeira mulher indĂgena a publicar um livro no Brasil, a escritora Eliane Potiguara conquistou o respeito e admiração de estudiosos e leitores de suas obras. Em 2014, a autora de A Terra É a Mãe do Ăndio (1989) e de Metade Cara, Metade MĂĄscara (2004), entre outros tĂtulos, foi agraciada com a Ordem do Mérito Cultural, com a qual o Ministério da Cultura distingue pessoas e instituições que contribuem para fomentar a cultura brasileira. Em 2021, recebeu do Conselho UniversitĂĄrio da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) o tĂtulo de doutora honoris causa.
Eliane Potiguara, educadora e ativista, é considerada a primeira escritora indĂgena a publicar um livro no Brasil - Tânia RĂȘgo/AgĂȘncia Brasil
O reconhecimento como escritora, educadora e ativista polĂtica não é pouca coisa. Principalmente para quem, como ela, só foi alfabetizada aos 7 anos de idade. À época, ela assumiu a tarefa de escrever as cartas que, do Rio de Janeiro, a avó queria enviar aos parentes que, na primeira metade do século passado, se espalharam para fugir de conflitos fundiĂĄrios e de outras formas de violĂȘncia contra os povos indĂgenas.
"Fui alfabetizada um pouco tarde, para escrever as cartas que a minha avó enviava principalmente para a ParaĂba, de onde a famĂlia teve que fugir devido às ameaças de morte", conta Eliane. Aos 73 anos de idade, a fundadora da Rede de Comunicação IndĂgena Grumim (criada em 1987 e inspirada "na saga de famĂlias indĂgenas que, após terem passado por um processo de violĂȘncia, tiveram que peregrinar em busca da sobrevivĂȘncia fĂsica, moral e étnica") relembra a importância desse processo.
"A partir da escrita das cartas, da leitura das respostas que recebĂamos e das histórias que minha avó contava, fui compreendendo essa espécie de exĂlio familiar que me levou a crescer no Morro da ProvidĂȘncia, no Rio de Janeiro. Fiquei sabendo que parte da famĂlia tinha fugido para não ser assassinada, como tantos outros indĂgenas, mas daĂ a me entender como indĂgena em uma sociedade racista, discriminatória, demorou um pouco mais", conta a escritora.
Defensora de uma educação pĂșblica de qualidade que leve em conta a diversidade cultural étnica que compõe o Brasil e forjada no movimento de resistĂȘncia e autoafirmação indĂgena, Eliane se revela otimista, mas não ingĂȘnua. "A cultura indĂgena é maravilhosa e estĂĄ viva. Seguiremos voltados a essa incrĂvel fidelidade a nossa ancestralidade, mantendo-nos alinhados com as novas tecnologias."
Leia, a seguir, trechos da entrevista que Eliane Potiguara concedeu para a série de entrevistas com intelectuais, lideranças e ativistas indĂgenas que a AgĂȘncia Brasil publica esta semana, por ocasião do Dia dos Povos IndĂgenas, na sexta-feira (19).
AgĂȘncia Brasil: A cartilha A Terra É a Mãe do Ăndio, que a senhora escreveu, é apontada como a primeira obra literĂĄria publicada no Brasil por uma mulher indĂgena, em 1989. Desde então, muitos outros autores e autoras indĂgenas surgiram, alguns com relativo sucesso comercial. O que tem motivado o surgimento de tantos autores indĂgenas nas Ășltimas décadas?
Eliane Potiguara: Primeiramente, [a necessidade de libertar] a voz sufocada da população indĂgena. Ao transformarmos [registrarmos] o pensamento indĂgena em livros, encontramos um canal de resistĂȘncia e de luta. Um canal por meio do qual podemos divulgar as situações que vivemos. Com o avanço das tecnologias e com a internet, encontramos novos meios [de expressão] e caminhos. Muitos lĂderes, professores, pensadores indĂgenas que tĂȘm algo a dizer à sociedade em geral tĂȘm se valido desses canais.
AgĂȘncia Brasil: Como esse trabalho de promover o acesso da população em geral às narrativas indĂgenas, transmitidas pelos próprios indĂgenas, pode contribuir para o futuro dos povos originĂĄrios e da sociedade em geral?
Eliane: Contribui como um elemento de conscientização polĂtica da sociedade em geral. Conscientização sobre quem somos, para onde vamos e o que queremos enquanto brasileiros e enquanto povos indĂgenas. Por exemplo: levar um material escrito por indĂgenas para dentro das escolas é uma iniciativa transformadora, inspiradora. Mexe com o universo cultural e com o inconsciente de parte da população, pois se trata de um material que tanto pode conscientizar professores não indĂgenas, quanto ser trabalhado com estudantes indĂgenas e não indĂgenas. HĂĄ até pouco tempo, o material didĂĄtico e literĂĄrio usado nas escolas em geral estava em conformidade com a realidade do colonizador. Hoje, mesmo com todos os problemas, temos uma lei que torna obrigatório o estudo da história e das culturas indĂgena e afro-brasileira e uma educação que, de alguma forma, contempla os povos indĂgenas. HĂĄ muitos professores e gestores indĂgenas, o que também é um fato bastante relevante. Além do mais, as narrativas indĂgenas também ajudam a revelar como nós, indĂgenas, com nossos conhecimentos tradicionais, podemos contribuir para, por exemplo, preservarmos o que os não indĂgenas chamam de meio ambiente e nós chamamos de natureza.
AgĂȘncia Brasil: Chama a atenção que a senhora, que diz ter sido alfabetizada tardiamente, tornou-se educadora e autora de tantos livros. Qual foi a importância da instrução formal e da leitura para sua trajetória pessoal? E qual é, a seu ver, a importância da educação para o futuro das comunidades indĂgenas?
Eliane: Fui alfabetizada um pouco tarde, entre 7 e 8 anos de idade, para escrever as cartas que a minha avó enviava principalmente para a ParaĂba, de onde a famĂlia teve que fugir devido às ameaças de morte. Nasci no Rio de Janeiro e cresci no Morro da ProvidĂȘncia, onde cresci fechada em uma espécie de gueto, protegida da violĂȘncia ao redor. Minha avó não queria sequer que eu olhasse para as pessoas, tentava limitar nossos contatos. Nesses primeiros anos, eu tinha como que uma espécie de anteolhos psicológicos que me mantinham alienada da realidade. A partir da escrita das cartas, da leitura das respostas que recebĂamos e das histórias que minha avó contava, fui compreendendo essa espécie de exĂlio familiar. Fiquei sabendo que parte da famĂlia tinha fugido para não ser assassinada, como tantos outros indĂgenas, mas daĂ a me entender como indĂgena em uma sociedade racista, discriminatória, demorou um pouco mais. DaĂ seguirmos lutando por uma educação indĂgena de qualidade, pela preservação das lĂnguas e das tradições indĂgenas.
AgĂȘncia Brasil: No poema Identidade IndĂgena, de 1975, hĂĄ um trecho em que a senhora destaca a importância da ancestralidade e aposta que, no futuro, os povos indĂgenas "brilharão no palco da história", não precisando mais "sair pelo mundo embebedados pelo sufoco do massacre, a chorar e derramar preciosas lĂĄgrimas por quem não lhes tem respeito". A senhora mantém essa expectativa?
Eliane: Sim. Sou fruto desse nosso processo de colonização, assassinatos e de famĂlias migrantes sofridas, mas sou também uma pessoa que acredita nas mudanças, na conscientização polĂtica, em que vamos conseguir conscientizar a população em geral, que jĂĄ vem se conscientizando. De um lado, temos, hoje, vĂĄrios indĂgenas médicos, antropólogos, professores, advogados etc., além dos que estão em cargos de poder. De outro, hĂĄ uma grande parcela de pessoas preocupadas, por exemplo, com a questão ambiental, com o aquecimento global. Então, a gente jĂĄ percebe essa mudança que pode, sim, ser crescente. Como educadora, acredito em mudanças positivas e no poder transformador de uma educação mais de acordo com a realidade.
AgĂȘncia Brasil: No mesmo poema, a senhora constata que "as contradições nos envolvem e as carĂȘncias nos encaram". Hoje, isso parece ainda mais evidente. De um lado, hĂĄ pensadores indĂgenas viajando o mundo para proferir palestras e publicando livros de sucesso. HĂĄ indĂgenas no comando de órgãos pĂșblicos como o ministério e a fundação dos povos indĂgenas (Funai). O nĂșmero de pessoas que se autodeclaram indĂgenas saltou de 294 mil, em 1991, para quase 1,7 milhão, em 2022. Por outro lado, os conflitos por terra persistem; hĂĄ problemas na saĂșde e na educação indĂgenas e crises humanitĂĄrias como a que afetam os yanomami, na Amazônia, e os guarani e kaiowĂĄ, em Mato Grosso do Sul. Neste contexto, e considerando que o futuro não estĂĄ dado, estĂĄ sempre em disputa, como a senhora imagina o futuro dos povos indĂgenas?
Eliane: Vivemos um conflito, uma luta de classes, mas, apesar desse sistema opressor e egoĂsta que admite que um homem explore outro homem apenas para ampliar seu capital financeiro, acredito na evolução, em mudanças positivas. Veja o exemplo dos navajos [da América do Norte], cuja sociedade domina tecnologias modernas sem abrir mão da identidade, cultura, lĂngua ou espiritualidade indĂgena. Temos condições de conciliar esses aspectos – que não são antagônicos. HĂĄ exemplos parecidos no México, na Finlândia. Obviamente, é preciso respeitar a diversidade étnica e cultural e a autodeterminação das comunidades que optam por viver isoladas, cujos modos de vida e tradição devem ser igualmente preservados.
AgĂȘncia Brasil: Então a senhora aposta em um futuro em que os Ăndios terão domĂnio e acesso aos avanços tecnológicos e seus benefĂcios, mas preservando suas identidades?
Eliane: Claro. Seguiremos voltados a essa incrĂvel fidelidade a nossa ancestralidade, mantendo-nos alinhados com as novas tecnologias. Até por causa dos estereótipos, preconceitos e do tipo de educação de que falei no inĂcio, quando eu era mais jovem, acreditava que ser indĂgena é ser pobre e algo em vias de ser extinto. Não é. A cultura indĂgena é maravilhosa, estĂĄ viva. Ela é extremamente resistente. Haja vista esses 524 anos de opressão a que seguimos resistindo. Com quase 74 anos de idade, ainda vejo um futuro promissor. O Brasil é terra indĂgena e os brasileiros precisam ter consciĂȘncia de sua ancestralidade.
*Dentro da série especial sobre o futuro dos povos indĂgenas, a AgĂȘncia Brasil publicarĂĄ amanhã a entrevista com a ministra dos Povos IndĂgenas, Sonia Guajajara.
No Beira-Rio, o
Inter perdeu para o
Palmeiras por 1 a 0
na noite dessa
quarta-feira (16),
pela quarta rodada
do Campeonato
Brasileiro. Essa foi
a primeira derrota
do Colorado em
partidas oficiais...
O técnico
Gustavo Quinteros
não comanda
mais o GrĂȘmio. A
decisão foi
comunicada na noite
dessa quarta-feira
(16), logo
após a
derrota por 4 a 1
para o Mirassol. Em
20...